26 março 2011

Hercílio e o pardal

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A mesma vista, diferentes sensações

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Acomodou-se na cadeira de balanço para observar a paisagem que a natureza fornecera. Hercílio rememorou um pouco os tempos idos e imaginava como seria passar o resto da tarde sentindo o vento refrescante enquanto lia um dos velhos romances empoeirados. Fazia tempo que não lia mais. Resolveu reler um dos exemplares da estante e percebeu que era o mesmo que estar lendo o livro pela primeira vez, sua memória realmente estava fraca. Quando chegou na página quarenta, sentiu a visão tremer um pouco e marcou a página para pausar a leitura durante alguns minutos. Observou novamente toda a paisagem já conhecida e sorriu para si mesmo, sentindo-se em paz.

Havia um pardal pousando perto de uma árvore ali próximo, a uns cento e vinte metros. O pardal, no gramado verde, se movia a intervalos vagos e parecia perder a timidez enquanto ia se aproximando de Hercílio e sua cadeira de balanço. No entanto, Hercílio só notou o pássaro quando este estava a uns vinte metros de distância. O pardal continuou a se aproximar até uma distância de três metros, ou menos, quando resolveu surpreender o homem:

-- No céu, as regras mudaram. Agora eu me encarrego deste serviço. Hercílio, meu querido, sua partida está próxima. Arrume sua bagagem, não esqueça de levar nada, ouviu? -- Logo o pardal levantou vôo como se espantado por algum movimento ameaçador, inexistente.

Hercílio experimentou uma sensação incrível. Instintivamente sabia que o pardal dera a mensagem corretamente: seus dias se foram, e era hora de partir. No entanto, toda a bagagem de Hercílio estava espalhada pelos cantos do mundo. O menos importante estava à mão, o mais importante tão distante quanto o próprio sol. De tudo o que havia, geografia era o menor dos problemas e, observando novamente a paisagem conhecida ao seu redor, Hercílio chorou. Nunca havia notado como deixara o tempo passar e as coisas dispersarem.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Sinto-me como Hercílio, é hora de partir.. sinto já uma saudade imensa, sensação de deixar muita "bagagem" para trás, mas também uma grande expectativa pelo novo, pela vida nova..

Anônimo disse...

Que texto brilhante! Quantas vezes não nos veremos na mesma situação de Hercílio? E no final, deveremos nos prestar conta de nossas atitudes.